Teoria Geral do Crédito Bancário

A teoria geral do crédito bancário é um trabalho destinado a contribuir para o desenvolvimento do crédito bancário, ora pela sua adequada valoração, ora pela sistematização de seus principais fundamentos jurídicos (doutrina, lei e jurisprudência).

O crédito bancário deve ser apreciado como negócio alavancador do crescimento econômico, o caminho seguro para o aumento da renda "per capita".  "A norma obriga, não simplesmente porque é válida, mas porque contém valor. Obriga por ser justa e por ser legítima", ensina Arnaldo Vasconcelos ("Teoria da norma jurídica", São Paulo: Malheiros Editores, 5a. ed., 2a. tiragem, 2002).


O valor do crédito
Quando o acesso ao crédito é facilitado, as empresas tendem a investir mais na expansão de suas atividades, e as famílias tendem a aumentar o seu grau de consumo. Esse comportamento das empresas e das famílias colabora para uma maior taxa de crescimento econômico. No Brasil, o primeiro banco surgiu em 1808 com a vinda de d. João VI, autorizador da abertura do primeiro Banco do Brasil, fechado em 1829. Só em 1836 nasceu o primeiro banco privado, o Banco do Ceará, mas logo fechado em 1839. Em 1838, nasceu o Banco Comercial do Rio de Janeiro, cujo sucesso motivou o surgimento de outros bancos comerciais na Bahia, Maranhão e Pernambuco. Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá. 

Sugeridor da criação do terceiro Banco do Brasil em 1851 e fundador do Banco Mauá em 1854, aberto com 600 contos e 182 sócios, disse sobre o valor do crédito: "O Banco do Brasil tinha, pois, a missão de tornar conhecido o uso do mais poderoso instrumento da civilização moderna, no tocante à criação da riqueza" (o crédito).

A atividade principal dos bancos nos primórdios do capitalismo concentrou-se no financiamento da dívida pública (garantida por impostos) e do comércio de longa distância. Depois da revolução industrial, com a aceleração dos negócios, não só cresceram as operações de desconto mercantil como se expandiu o avanço de crédito aos produtores privados. Nesse momento, o crédito assume sua função de antecipação de capital monetário: uma aposta sujeita a perdas, no acréscimo de valor a ser criado no processo de produção, entendido como a utilização da força de trabalho assalariada e dos elementos do capital fixo e circulante na transformação de bens com o propósito de gerar mais dinheiro nas vendas mercadorias produzido. 

Os empresários em conjunto podem gastar valores superiores às suas receitas correntes por conta da existência do sistema de crédito, compreendendo os bancos e os demais intermediários financeiros, ensina Luiz Gonzaga Belluzzo (Folha de S. Paulo, São Paulo, 01.ago.2004, p. B2) "Há de se compreender que o sistema financeiro é fundamental ao progresso de uma economia moderna e um sistema de crédito azeitado é chave para o desenvolvimento econômico", analisa Jairo Saddi, advogado, doutor em Direito, professor-coordenador dos cursos de Direito do IBMEC (SP).

A confiança subsistente entre homens de comércio nas suas relações mercantis é o crédito, conforme definiu Henry Thornton no século XIX, lembra Jairo Saddi ("Protegendo o crédito bancário, não o banqueiro". Valor, São Paulo, 20.mai.2004, p. A10). Haverá pouca confiança e crédito e, igualmente, pouco comércio, numa sociedade na qual a lei e o senso moral são fracos e, em consequência, o direito de propriedade privada é inseguro. O crédito bancário movimenta a economia, garante o comércio e a fluidez dos mecanismos de troca. Quando não há certeza jurídica, torna-se desnecessário aprofundar-se nas imensas dificuldades para baixar juros e ampliar a oferta do crédito bancário, conclui Saddi.

O sistema bancário brasileiro provou ser resistente a crises, mas o País precisa ampliar a intermediação financeira, e a falta de segurança no crédito e de regras para execução de falências retardam o desenvolvimento das operações creditícias, avaliou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Brasil só em 1967, através da Resolução nº 63, de 21.ago.67, do CMN, permitiu aos bancos a captação de empréstimos externos destinada a repasse às empresas no País. Essa abertura, segundo Stephen Kanitz, viabilizou o Brasil crescer da 46ª para a 9ª economia do mundo.

O crédito detém a força econômica. Hoje a maioria das transações comerciais não tem nada a ver com a moeda e sim com o crédito. O crédito determina os rumos da economia, observa Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de Economia de 2001 (Valor, São Paulo, 18.jun.2004, p. C12). Os bancos dispõem da faculdade de aumentar o poder de compra. Adiantam recursos para a efetivação do gasto. Intermediam todo o processo de geração e utilização da renda.

O volume do crédito no Brasil
O Brasil, numa lista de 21 países, ocupa a 15ª colocação no volume total de crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados coletados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), com base em 2000, quando o volume total de crédito de nosso País ainda representava 29,4% do PIB. Essa proporção recuou para 23,8% ao final de 2002.

O volume de crédito no Brasil caiu de 37% do PIB, em dez/94, para 24% do PIB, em dez/2002. O baixo volume de crédito no Brasil é, sem dúvida, um obstáculo ao crescimento, observou, em 29.jan.2003, Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil (BCB).

No período de 1992 a 2002, o PIB brasileiro cresceu 31,62%, ou 2,87% de crescimento médio anual. Mas as instituições financeiras acusam uma retração de 5,75% nesse período, e o peso da participação das instituições financeiras no PIB recuou de 32,76%, em 1993, para 6,58%, em 2001. Na formação do PIB, as instituições financeiras participam com as receitas provenientes do "spread" e das tarifas de serviço. O IBGE não contabiliza as receitas de títulos públicos em carteira.

Proposta, análise e classificação
As instituições financeiras solicitam aos pretendentes de operações de crédito uma proposta, e por meio da análise dessa proposta as instituições financeiras aprovam ou não o crédito pleiteado. As instituições financeiras iniciam a análise da proposta com a verificação do conceito do proponente no mercado e, para esse fim, consultam a SERASA ou outra empresa de informações cadastrais.

O prazo para anotação dos dados do devedor nos cadastros de restrição de crédito (SERASA, SPC e afins), conforme decisão do STJ (julgamento em 23.jun.2004 do Resp 472203), é de cinco anos e não de três anos, como vinham entendendo alguns tribunais de Justiça. Contados cinco anos desde a data da negativação do nome do devedor, não poderão ser fornecidas sobre ele quaisquer informações possíveis de impedir ou dificultar novo acesso ao crédito. 

O crédito especializado (crédito rural, crédito industrial, crédito habitacional e outros) envolve um processo de análise específico, mais técnico e mais detalhado, por ter características e garantias próprias. 

Para propiciar às instituições um ambiente mais seguro na concessão dos limites de crédito, o BCB criou a "Central de Risco de Crédito (CRC)" (Resolução nº 2.390, de 22.mai.97, do CMN), atualmente regulamentada pela Resolução nº 2.724, de 31.mai.2000, do CMN, e pela Circular nº 2.977, de 06.abr.2000, do BCB, complementada pela Circular nº 2.909, de 26.abr.2000, e Circular nº 3.098, de 20.03.2002.

O Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR) começou a operar em 30. jun.2004, de acordo com a Carta-Circular nº 3.139, de 29.jun.2004, do BCB. O SCR inclui todos os nomes de tomadores de crédito com dívidas iguais ou superiores a R$ 5 mil por instituição financeira, vencidas ou a vencerem, nos 13 meses anteriores à última atualização, independentemente de a dívida já ter sido quitada.

O SCR é uma versão aprimorada da CRC criada em 1997, explica Henrique Meirelles, presidente do BCB (Valor, São Paulo, 30.jun.2004, p. C1). Sob o ponto de vista da diversidade de informações, o SCR substitui a CRC com larga vantagem. A SCR passa a ser uma poderosa ferramenta de gestão de risco de crédito. A SCR indicará os saldos devedores por modalidade de operação, por moeda e também por diferentes níveis de prazo, vencidos e a vencer; créditos já lançados em prejuízo também vão aparecer. 

A inclusão do nome no SCR independe da situação do tomador, se regular ou irregular. O SCR pode ser usado tanto como cadastro negativo quanto cadastro positivo, pois mostra também o histórico de crédito dos bons pagadores. O BCB permite o acesso do próprio interessado às suas informações. Qualquer pessoa com nome no SCR poderá acessar e imprimir seu histórico por meio da página na internet.

A Lei Complementar nº 105, de 10.jan.2001, reguladora do sigilo das operações das instituições financeiras, autoriza o funcionamento de centrais de risco para a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais.

Provisionamentos de crédito
Cada operação de crédito continua Sérgio Darcy, "deve ser classificada em um dos nove níveis estabelecidos na regulamentação. As classificações possíveis vão de AA (baixíssimo risco) a H (alto risco ou ‘default’), estando cada faixa de ponderação associada a um nível mínimo de provisionamento. Assim, por exemplo, a provisão mínima para um crédito classificado como nível D é 10%. Da mesma forma, créditos em atraso devem sofrer reclassificação, observando-se os parâmetros estabelecidos na norma. Por exemplo: as operações em atraso entre 15 e 30 dias devem ser classificado, no mínimo, como risco B.”

O BCB reconhece: a falta de uniformidade no tratamento dos provisionamentos de crédito, para fins de dedução do IR/CSLL, afeta o custo do crédito ao tomador ("Juros e ‘Spread’ Bancário no Brasil").

Capacidade de pagamento
Um dos aspectos mais sopesados pelas instituições financeiras é o percentual de comprometimento das prestações assumidas pelo devedor em relação a sua renda mensal. Para preservar a capacidade pagamento do devedor, o comprometimento não deve ultrapassar, a título de parâmetro, 30% da renda mensal. 

Juros remuneratórios
"Os juros remuneratórios são devidos como compensação pelo uso do capital de outrem, e os juros moratórios, pela mora, pelo atraso, em sua devolução", ensinam Álvaro Villaça Azevedo e Luiz Antônio Scavone, professores, definições citadas pelo ministro Castro Filho, do STJ, no processo RESP 402.483. 

O Conselho Monetário Nacional (CMN), alicerçado no artigo 4º, IX, da Lei nº 4.595, de 31.dez.64, autorizou as instituições financeiras a praticarem em suas operações de crédito taxas de juros livremente pactuáveis, de acordo com a Resolução nº 1.064, de 05.dez.85, preceito consagrado no Manual de Normas e Instruções (MNI) 02-01-03.

A regulação dos juros remuneratórios pelo artigo 591 da Lei nº 10.406, de 10.jan.2002, o novo Código Civil, não alcança as taxas praticadas pelas instituições financeiras, pois essas taxas continuam sendo regidas pelo comando da lei especial. O mesmo ocorre com os juros moratórios previstos no artigo 406 do novo Código.

O novo Código Civil, à luz do artigo 591 combinado com o artigo 406, preferiu vincular os juros à taxa SELIC e estabeleceu: os juros não poderão exceder a "taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

A taxa SELIC é a média ajustada dos financiamentos diários apurados no SELIC para títulos federais (definição da Circular nº 2.900, de 24.jun.99, do BCB, artigo 2o, parágrafo 1o). A legislação tributária federal passou a adotar a taxa SELIC como "juros de mora" a partir de 01.jan.95 (Lei nº 8.981, de 20.jan.95, art. 84, alterada pela Lei nº 9.065, de 20.jun.95, art. 13), com o fim da correção monetária e o congelamento da Unidade Fiscal de Referência (UFIR).

O BCB também divulga através do mesmo "site", as taxas médias praticadas pelo SFN nas operações de crédito. A liberdade das instituições financeiras para a prática da taxa de juros nunca foi uma liberdade ampla e irresponsável; é (e sempre foi) uma liberdade limitada pelas forças de mercado, dentro de um regime de livre concorrência e de alta competitividade, porque o mercado financeiro é formado por mais de duzentas instituições creditícias, aí incluídas as públicas e as privadas, estas abrangendo as de capital nacional e as de capital estrangeiro.

O BCB não limita os juros remuneratórios, mas determina às instituições financeiras toda a transparência: elas devem indicar a taxa de juros em sua expressão efetiva ao ano (a taxa efetiva corresponde ao custo efetivo para o cliente e já traduz o impacto da capitalização, em qualquer período inferior a 360 dias).

O juro "não significa apenas o fruto civil do capital, pois passou a ser importante instrumento de política monetária, juntamente com o câmbio, o comércio exterior e a regulação da moeda e do crédito, servindo para controlar o fluxo financeiro".

"Para o cálculo dos juros, considera-se o custo de captação do dinheiro, a sobretaxa do banqueiro, a desvalorização da moeda e, por fim, os riscos operacionais, pois, quanto maior a possibilidade de inadimplência, maior o risco." Os juros remuneratórios (compensatórios ou lucrativos) são devidos desde o trepasse; os juros moratórios, correspondentes à indenização pela inadimplência, fluem a partir do momento da mora.

Juros moratórios
O STJ permite a elevação dos juros remuneratórios em caso de mora do devedor. Ensina o voto-vista do ministro César Asfor Rocha, do STJ, no Recurso Especial nº 213.825: "No que tange à taxa de juros moratórios, verifico a existência de precedentes de ambas as Turmas componentes da Seção de Direito Privado desta Corte, no sentido de que, à mingua de legislação especial restringindo a elevação das taxas dos juros remuneratórios em caso de mora, a exemplo dos créditos rural, comercial e industrial, devem prevalecer as taxas de juros de mora pactuadas nos demais contratos de empréstimo bancário ".

 "O entendimento majoritário desta Corte é no sentido de se permitir, nos contratos bancários, a cobrança cumulada de juros remuneratórios com moratórios, quando pactuada", afirma o ministro Castro Filho, do STF (RESP 402.483, decisão unânime). 

O novo Código Civil, em seu artigo 406, permite a estipulação dos juros moratórios e, na falta de convenção, prevalecerá "a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 

"Spread"
Os bancos e as financeiras desempenham o papel da intermediação financeira, e o "spread" corresponde à diferença entre a taxa de aplicação (cobrada dos devedores nas operações de crédito) e a taxa de captação (paga aos investidores).

O "spread" (margem bancária adicionada à taxa aplicável a um crédito) aumenta quando há incertezas, quando há risco de moratória alto, quando a economia está fraca. Nesse cenário, os riscos são maiores e as instituições buscam maiores compensações. O "spread" é variável conforme a liquidez e as garantias do tomador do empréstimo, assim como do volume do empréstimo e o seu prazo de resgate. A falta de dados sobre os agentes da transação pode resultar em escassez de crédito, pois os juros deixam de estabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda do crédito.

Formalização
As instituições financeiras têm duas alternativas principais para a formalização das operações de crédito: 1º) o contrato de mútuo (artigo 586 do novo Código Civil); 2º) o título de crédito (artigo 887 subsequente). O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, e o título de crédito é documento representativo do direito literal e autônomo nele contido e produz efeito desde que preencha os requisitos da lei. A lei aditiva cria e regula os diversos títulos de crédito.

Nas operações de crédito em geral, as instituições financeiras utilizam a Cédula de Crédito Bancário, título de crédito criado pela Medida Provisória nº 1.925, de 14.out.1999, posteriormente regulamentada pela Medida Provisória nº 2.160-25, de 23.ago.2001 e, por fim, disciplinada pela Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo IV.

Nas operações de crédito rural, as instituições financeiras dispõem dos títulos de crédito criados pelo Decreto-Lei nº 167, de 14.fev.67: I) Cédula Rural Pignoratícia (CRP); II) Cédula Rural Hipotecária (CRH); III) Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária (CRPH); IV) Nota de Crédito Rural (faculta-se a formalização do crédito rural por meio de contrato, no caso de peculiaridades insuscetíveis de adequação aos títulos mencionados). 

A lei aditiva criou ainda, para atender a situações específicas: Cédula de Crédito Industrial (Decreto-Lei nº 413, de 09.jan.69); Cédula de Crédito à Exportação e a Nota de Crédito à Exportação (Lei nº 6.313, de 16.dez.75); Cédula de Crédito Comercial (Lei nº 6.840, de 03.nov.80); Cédula de Produto Rural e Cédula de Produto Rural Financeira (Lei nº 8.929, de 22.ago.94); Letra de Crédito Imobiliário (Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo II); Cédula de Crédito Imobiliário (Lei nº 10.931, de 02.ago.2004, capítulo III).

A teoria de finanças trata os bancos como agentes econômicos especializados nas atividades de compra e venda de contratos e títulos, e a teoria das carteiras explica a existência de agentes econômicos (investidores), com diferentes aversões ao risco, tomadores de recursos no mercado para aplicar recursos acima de sua riqueza em uma carteira, com "spread" 

Garantias
Nos contratos de mútuo, as instituições financeiras podem solicitar ao devedor a apresentação de fiador: essa pessoa garante ao credor satisfazer a obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra, na forma do artigo 818 do novo Código Civil.

No livro "Direito das Coisas" do novo Código Civil, o Título X (artigo 1.419 a 1.510) rege o penhor, a hipoteca e a anticrese. Nas dívidas amparadas por esses direitos reais de garantia, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.

Prescrição
Nos contratos de mútuo, a pretensão de cobrança prescreve em cinco anos (artigo 206, parágrafo 5º, I, do novo Código Civil), e nos títulos de crédito, em três anos, ressalvadas as disposições de lei especial (artigo 206, parágrafo 3º, VIII, do novo Código Civil.

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